Pigmentação exógena por amiodarona
Resumo
Introdução: A amiodarona é um fármaco antiarrítmico de classe III, assim denominado pela classificação de Vaughan Williams, pois possui como mecanismo de ação o bloqueio dos canais de potássio durante a fase de repolarização. Tal mecanismo funciona de modo a aumentar o período refratário, prolongando o potencial de ação (PA) sem que o potencial da membrana de repouso ou a velocidade máxima de despolarização nos tecidos cardíacos sejam afetados. É um potente controlador do marcapasso cardíaco. Entretanto, o uso da amiodarona apresenta determinados efeitos adversos que podem comprometer a saúde sistêmica do paciente, podendo causar distúrbios cardíacos, pulmonares, endócrinos, oftálmicos, cutâneos, entre outros. Relato de caso clínico: O paciente S. C. G, gênero masculino, 75 anos, compareceu ao Centro Clínico Odontológico do Unipam, com queixa principal voltada para a fratura de um elemento dentário que servia de suporte para a sua prótese parcial removível (PPR). Durante a anamnese, o paciente informou que possuía distúrbios do coração, tais como Doença de Chagas e arritmia cardíaca, relatando ainda que sofrera um episódio de infarto há 10 anos atrás. Afirmou ter passado por procedimentos cirúrgicos para tratamento de pulmão e para implantação de marcapasso, e revelou fazer o uso de medicamentos para controlar as alterações cardíacas que possuía, dentre eles o cloridrato de amiodarona 200mg. Durante o exame físico extrabucal, percebeu-se que uma considerável área da face do paciente apresentava pigmentação de coloração arroxeada/azulada, que se estendia do terço inferior até parte do terço médio. Notou-se que essa pigmentação estava presente também em seus braços. Analisando sua história médica pregressa, o medicamento utilizado e as áreas de pigmentação constatou-se de que se tratava de pigmentação exógena por amiodarona. No exame intrabucal não foram encontradas alterações dignas de nota. Discussão: O fármaco em questão, apesar de ser um excelente antiarrítmico, apresenta uma alta toxicidade, principalmente se seu uso for contínuo ou de altas dosagens diárias. Ainda que tais efeitos sejam uso-dependentes, sua meia-vida de eliminação é lenta, o que propicia maior tempo de dissipação e acúmulo da droga nos tecidos. Quando existe um acúmulo de metabólitos do medicamento e da atividade celular na pele, há ocorrência de fotossensibilidade e hiperpigmentação. Estudos apresentam que, fisiologicamente, isso se deve à ação da amiodarona sobre os lisossomos, induzindo a deposição de lipofuccina nos tecidos cutâneos, gerando maior sensibilidade à luz solar, bem como a pigmentação cutânea. Conclusão: A amiodarona apresenta excelente efeito sobre condições anormais do ritmo cardíaco, normalizando-as através de seu mecanismo de ação inibidor dos canais de potássio e prolongador do PA. Contudo, apresenta uma série de efeitos adversos passíveis de comprometer sistemicamente o paciente que faz seu uso, dentre eles a hiperpigmentação e fotossensibilidade, que são fatores desconfortáveis e limitantes do estilo de vida do paciente. O cirurgião-dentista não é apto a fazer a remoção da medicação, mas deve encaminhá-lo ao cardiologista, alertando sobre a reação adversa manifestada.